Por R$ 280 milhões, governo contrata sem licitação empresa de cartões

Sem fazer nenhum tipo de licitação, a Secretaria da Educação do Estado da Bahia contratou a Alelo por R$ 280 milhões para confeccionar, distribuir e administrar cartões que serão entregues a beneficiários da recém-criada Bolsa Presença do Estado da Bahia. Com duração prevista de seis meses, esse programa pagará auxílio mensal de R$ 150 a famílias em condição de vulnerabilidade socioeconômica, com filhos matriculados em escolas da rede pública estadual.

O negócio com a Alelo é o maior contrato celebrado pela administração estadual com um só fornecedor, no âmbito das ações em resposta à pandemia de COVID-19. Mas não foi isso que chamou a atenção de Olho Público. A Secretaria da Educação precisa explicar a diferença entre o recurso reservado para o pagamento do auxílio (R$ 231 milhões, conforme informação oficial) e o montante que será entregue à Alelo (R$ 280 milhões), que é de R$ 49 milhões.

Além da remuneração à Alelo pelo serviço prestado, o que mais está embutido nesses R$ 49 milhões: Publicidade? Impostos? Cadastramento? Sistemas? Olho Público encaminhou à Secretaria da Educação esse e outros questionamentos feitos nessa matéria, mas não houve resposta por parte da assessoria de comunicação.

Outro aspecto questionável é a dispensa de licitação. É urgente um suporte adicional para famílias em vulnerabilidade socioeconômica, especialmente quando esse auxílio é associado ao enfrentamento da evasão escolar, que foi agravada pela pandemia. Esse fenômeno é reconhecido pelo governador Rui Costa, que recentemente anunciou o uso de biometria para aferir a presença dos estudantes. Mesmo assim, Olho Público acredita que a opção pela dispensa de licitação em um contrato de R$ 280 milhões precisa ser explicada.

Pregão agilizado

Em virtude da pandemia, algumas regras para licitações foram afrouxadas para agilizar processos de compra, mas sem desobrigar a administração pública de adquirir produtos e serviços pelo menor preço e com a melhor qualidade. Existe sim suporte legal para embasar a opção da Secretaria da Educação pela dispensa de licitação. Mas quando se trata de R$ 280 milhões, é preciso saber se a dispensa de licitação realmente é a única alternativa viável.

Urgência para resolver ou mitigar efeitos de situação grave e excepcional pode justificar a dispensa de licitação. Mas no caso da Bolsa Presença é importante observar que entre a sanção do projeto de lei e a assinatura do contrato com a Alelo passaram-se 15 dias. Com mais uma ou duas semanas, haveria tempo suficiente para a realização de um pregão eletrônico, modalidade que teve o prazo dos procedimentos licitatórios reduzidos pela metade por lei federal.

Apesar de necessário e louvável, o Bolsa Presença será um complemento para famílias baianas que por estarem inscritas no CadÚnico do governo federal já são atendidas por programas como Bolsa Família e o auxílio emergencial pago pela Caixa Econômica. Portanto, o novo programa estadual não é um socorro para quem está sem fonte de renda.

Cenário desafiador

Por outro lado, a evasão escolar é um problema sério, com consequências para o indivíduo e a sociedade. Mas no momento atual da pandemia de COVID-19, com UTIs lotadas e risco de falta de medicamentos, existem questões mais urgentes que precisam ser atacadas pelo governo da Bahia. E essa situação impõe ao estado rigor redobrado na gestão de suas finanças, ainda mais quando o cenário é de queda na arrecadação de impostos.

Considerando que cada família atendida pelo Bolsa Presença receberá seis parcelas mensais de R$ 150, os R$ 231 milhões são suficientes para atender 256 mil famílias baianas.

Com a diferença entre o valor disponibilizado para o pagamento do benefício e o montante repassado à Alelo, que é de R$ 49 milhões, daria para manter o hospital da campanha da Arena Fonte Nova funcionando por mais seis meses (R$ 40 milhões). Com os R$ 9 milhões restantes daria para manter por mais seis meses os leitos clínicos e de UTI adicionais para pacientes de COVID-19 no Hospital da Chapada.

Smartphones

Outro ponto do contrato que precisa ser esclarecido é o fato da Alelo ter sido contratada para confeccionar e distribuir cartões. Serão emitidos cartões para todas as famílias ou somente para aquelas que não dispõem de um celular, onde um aplicativo semelhante ao da Caixa Econômica pode ser instalado, permitindo pagamento com QR code? Distribuir um aplicativo dá menos trabalho e é mais rápido do que entregar cartões.

ANAJURE tentou, mas não conseguiu liberar cultos na Bahia

Antes de se tornar pivô da polêmica decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Kassio Nunes Marques de liberar cerimônias religiosas presenciais em todo o Brasil, a Associação Nacional de Juristas Evangélicos (ANAJURE) tentou, sem sucesso, liberar a realização de cultos na Bahia.

Conforme acórdão publicado no início de março, ao analisar um agravo regimental relacionado à Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 703, aberta pela ANAJURE no STF, o ministro Alexandre de Moraes (relator) afirmou que a entidade “carece de legitimidade para a propositura da presente arguição, na medida em que congrega associados vinculados por convicções e práticas intelectuais e religiosas”.

O agravo apresentado naquela ocasião pela ANAJURE era direcionado a prefeitos de três municípios baianos (Itabuna, Capim Grosso e Serrinha), onde as atividades religiosas presenciais foram suspensas devido à pandemia de COVID-19.

Dermatologistas de Salvador já podem voltar a atender

A Sociedade Brasileira de Dermatologia (Regional Bahia) conseguiu liminar para que a prefeitura de Salvador retire do leque de atividades consideradas como não essenciais o trabalho dos médicos dermatologistas. A entidade alegou que a dermatologia é uma especialidade que “trata de pacientes portadores de diversas patologias, além de englobar atividades clínicas, cirúrgicas, diagnósticas e cosmiátricas”.

No processo, a Sociedade Brasileira de Dermatologia destacou que proibição temporária à atividade dos especialistas “impede a concretização do direito à saúde daqueles que necessitam de auxílio médico para suas patologias dermatológicas, inclusive, para doenças que oferecem grande risco à vida dos pacientes, a exemplo do melanoma”.

A juíza Marielza Maués Pinheiro Lima, designada pelo Tribunal de Justiça da Bahia para relatar o processo, acolheu o entendimento de que o atendimento dermatológico é atividade que não pode deixar de ser oferecida, devido ao “evidente o risco intrínseco à saúde dos indivíduos no caso do não diagnóstico e tratamento precoce de doenças dermatológicas, mormente em tempos de pandemia, em que a necessidade de uma consulta dermatológica pode fazer indivíduos se deslocarem a emergências hospitalares”.

A liminar determina que a prefeitura de Salvador se abstenha de “praticar qualquer medida que vise impedir os atendimentos eletivos dermatológicos, se estes estiverem ocorrendo conforme os protocolos estabelecidos”.

COVID-19: queda na arrecadação não impede lockdown

A Justiça da Bahia continua indeferindo pedidos de liminares em ações populares contra o lockdown determinado pelo governador Rui Costa. No processo mais recente, o advogado baiano Davi Piedade Pereira dos Santos argumentou que as medidas restritivas suprimiram “o direito constitucional à exploração econômica, afetando a geração de riquezas, e, por consequência, a arrecadação estadual”.

Davi direciona sua queixa ao ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços). Para o advogado, que aponta esse imposto como “principal fonte de arrecadação estadual”, a suposta diminuição dos valores arrecadados pelo governo da Bahia “afetará imensuravelmente a receita estadual que tem despesas fixas, que são essenciais para toda a sociedade, como as forças policiais, o poder judiciário, o poder legislativo, a saúde pública e demais atividades exercidas pelo próprio estado”.

Apesar de classificar como medida “amarga” a restrição às atividades econômicas na Bahia, o juiz Glauco Dainese de Campos, da 7ª Vara da Fazenda Pública de Salvador citou, em sua decisão, a lei federal nº 13.979/2020, “a qual determina que a definição de atividade essencial é matéria a ser definida por decreto da respectiva autoridade federativa”.

“Não se vislumbra atuação ilegal por parte do governador baiano quando, de forma razoável, elege o que seja atividade essencial, em detrimento de outros seguimentos”. “Ademais, está sendo amplamente noticiada a situação epidemiológica no Brasil e particularmente no Estado da Bahia, o que corrobora com a impossibilidade de viabilizar-se a retomada das atividades comerciais e empresariais, ainda que tal escolha seja por demais amarga”, sentenciou o magistrado.

Vai faltar kit intubação na Bahia?

É notório o risco de que o Brasil pode sofrer um esgotamento geral dos estoques dos medicamentos do chamado “kit intubação”, recurso extremamente necessário para o tratamento de pacientes de COVD-19 em estado grave. Diante da inoperância do governo federal, estados e municípios precisam se virar para evitar a escassez.

Desde sua fundação, há pouco mais de três semanas, Olho Público vem tentando obter do poder público informações que possam tranquilizar (ou não) a sociedade, mas que também podem servir de alerta e chamamento a todos as partes que possam contribuir para impedir o pior.

No que diz respeito à Secretaria da Saúde do Estado da Bahia (SESAB), as respostas dadas a Olho Público destoam da preocupação manifestada pelo governador Rui Costa, que foi ao Supremo Tribunal Federal (STF) atrás de decisão que obrigue o Ministério da Saúde a comprar o kit intubação.

No dia 24 de março, a SESAB anunciou dispensa emergencial para compra do kit intubação, conforme noticiado em primeira mão por Olho Público.  Desde então, foram feitos três pedidos de informação sobre o andamento dessa compra: se há fornecedor contratado e se a quantidade adquirida é suficiente para evitar a escassez.

Somente hoje (31 de março), a SESAB respondeu a Olho Público, informando apenas que “a importação dos medicamentos que fazem parte do kit intubação está em andamento” e que “essa potencial nova compra não afeta o atual estoque, que se encontra abastecido”.

Por sua vez, a Prefeitura de Salvador anunciou hoje (31 de março) a prorrogação de cotações de preços de cinco medicamentos do kit intubação, em quantidades que chegam a 10 mil unidades, como é o caso do sedativo midazolan. A prorrogação também vale para atracúrio e rocurônio, que também estão entre os mais procurados pelas redes pública e privada de saúde.

É hora de coçar o bolso com mão aberta, pensar fora da caixa e unir esforços para evitar o pior. Enquanto não aparecem fornecedores, que sejam antecipadas soluções para aspectos como desembaraço aduaneiro e logística de distribuição, que podem ser gargalos até mesmo em momentos de crise. Na corrida pelo kit intubação, qualquer fração de tempo bem aproveitada fará diferença.