Lentidão protege servidores que fazem negócios com o estado

Utilizando como exemplo um processo administrativo aberto na última quarta-feira (5 de maio) pela Fundação Pedro Calmon (FPC), autarquia vinculada à Secretaria da Cultura da Bahia, Olho Público convida os órgãos de controle da Bahia a serem mais eficientes para impedir que empresas que têm como sócios servidores públicos façam negócios com a administração pública estadual, o que é proibido por lei.

O que chama atenção neste caso específico não é o valor envolvido, mas a lentidão da apuração dos fatos, fenômeno muito comum. Conforme levantamento feito por Olho Público no sistema de consulta do Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA), nos casos que viram ações judiciais, com o objetivo de restituir valores recebidos de forma irregular, a lentidão dos processos administrativos é fundamental para a impunidade.

O processo aberto ontem pela FPC investiga fatos de 2016. Naquele ano, empresa que tem como sócia servidora lotada naquela autarquia, recebeu R$ 96 mil da Secretaria da Saúde (SESAB), conforme dados da plataforma Transparência Bahia. A lei estadual nº 6.677, de 26/09/1994, proíbe servidor público de “transacionar com o Estado, quando participar de gerência ou administração de empresa privada, de sociedade civil, ou exercer comércio”.

Em 2017, um processo administrativo já tinha sido aberto pela Secretaria da Administração da Bahia (SAEB), com o objetivo de apurar “suposto administrativo (sic) praticado em virtude de servidor ser integrante de quadro societário de empresa que é fornecedora do estado”, conforme registro obtido por Olho Público. Considerando o prazo estabelecido pela portaria da FPC, a conclusão da investigação poderá avançar até outubro.

A pessoa que figura como sócia da fornecedora da SESAB foi dispensada “a pedido” da FPC em dezembro de 2016. O blog perguntou à FPC qual era o tipo de vínculo, mas a assessoria de imprensa não respondeu, alegando o “caráter sigiloso” do processo. No entanto, consulta ao Diário Oficial revela que essa pessoa já atuava na FPC em 2007, onde ocupou cargo de direção. A empresa da qual a ex-servidora ainda é sócia foi aberta no ano 2000, segundo dados da Receita Federal.

Escapar de punições administrativas na Bahia não é difícil. É só apostar na lentidão contumaz dos processos administrativos. O caso envolvendo a ex-servidora da FPC poderá ser mais um exemplo disso, já que “o prazo prescricional para instauração do processo sancionatório é de 5 (cinco anos) e começa a correr a partir do conhecimento do fato ilícito”, conforme estabelece a lei estadual nº 12.209, de 20/04/2011.

Em consulta ao sistema do TJ-BA, Olho Público encontrou nove processos judiciais ativos envolvendo denúncias de pagamentos feitos pela administração pública da Bahia a empresas que têm como sócios servidores estaduais. Quanto ao volume de processos administrativos abertos e concluídos, bem como a soma dos valores pagos irregularmente, só um requerimento via Lei de Acesso à Informação pode revelar. O prazo para resposta é de até 30 dias.

SAEB explica motivo do descredenciamento do IMEGI como OS

Na semana passada, Olho Público noticiou em primeira mão a perda do status de Organização Social (OS) do Instituto Médico de Gestão Integrada (IMEGI), entidade que em 2019 foi envolvida em suposto esquema de superfaturamento em contratos com a Prefeitura de Salvador. Nota enviada hoje (26 de abril) pela Secretaria da Administração da Bahia (SAEB) confirma que essa decisão é consequência da Operação Kepler.

Olho Público procurou a Secretaria da Saúde (SESAB) para saber as razões que motivaram a aplicação da penalidade ao IMEGI, mas esse ato é do Conselho de Gestão das Organizações Sociais (CONGEOS). Embora tenha participação do secretário estadual da Saúde, o CONGEOS é presidido pelo titular da SAEB, Edelvino da Silva Góes Filho.

A SAEB informou a Olho Público que a punição aplicada em caráter cautelar ao IMEGI foi tomada “após o CONGEOS ter sido informado sobre a Operação Kepler”. Sem o status de OS, o IMEGI fica impedido de realizar contratos com o governo da Bahia na área da saúde.

Embora o IMEGI não seja prestador de serviços à administração estadual, a SAEB esclareceu que a medida foi “balizada por orientação jurídica”, com o objetivo de preservar os recursos públicos “de um eventual contrato celebrado futuramente”. A nota diz ainda que foi aberto processo que pode levar à desqualificação definitiva do IMEGI como OS.