> COLUNISTAS > NILMA GONÇALVES

Memórias, afetos e aflições

Memórias, afetos e aflições

Por Nilma Gonçalves

Julie Delpy, a mulher hollywoodiana real

Precisamos falar sobre Julie Delpy. Mais que isso, precisamos exaltar Julie Delpy, uma das atrizes mais importantes para nós, mulheres da geração x (nascidas entre 1969 e 1980). Escrevo isso sem medo de parecer leviana. Feminista, engraçada, irônica – a forma mais inteligente de demonstrar senso de humor -, com uma carreira consistente e totalmente coerente com seu modo de vida, Julie é um farol em meio ao padrão hollywoodiano imposto, aquele que mantém a mulher na condição de símbolo sexual e ponto. Sim, é bem verdade que isso vem mudando ao longo dos anos, mas com uma velocidade menor do que gostaríamos, tendo agora o ideal de beleza “kardashiano” em voga.

Delpy se dirige para um lado completamente oposto, como que honrando a liberdade de Celine, vivida por ela na trilogia ‘Antes do Amanhecer’ (1995)/ ‘Antes do Pôr-do-sol’ (2004)/ e ‘Antes da Meia-noite’ (2013). Agora, aos 51 anos, a atriz, produtora, roteirista, diretora, cantora e compositora franco-americana mostra ao mundo as transformações no corpo de uma mulher de, bem, 50 e poucos anos sem receio de envelhecer em frente às câmeras. Em cartaz na série da Netflix, ‘On the Verge’ – traduzida para ‘À Beira do Caos’ (!!!) – Julie Delpy interpreta uma chef, mãe, esposa, provedora, amiga, com todas as questões que uma mulher de meia-idade da classe média enfrenta em qualquer lugar do mundo. Estão lá os desafios para educar um filho pequeno, gerado na casa dos 40; o casamento com um homem sem energia vital, mas que não perde a oportunidade de depreciá-la; o trabalho que ama, mas que exige muito mais tempo do que gostaria; a competição profissional com pessoas mais jovens; as amigas com suas vidas também nada perfeitas. E, se o envelhecimento não é exatamente o ponto central da trama, ele está presente, quando vemos Julie com o corpo real da mulher de mais de 45 anos. Uma das cenas emblemáticas da série (que, vale ressaltar, é idealizada e produzida por ela), é quando sua personagem, Justine, está fazendo fotos para o seu livro de receitas e o fotógrafo realiza retoques no photoshop na frente da equipe, deixando-a com o corpo completamente diferente, arrancando gargalhadas de todos, e causando constrangimento à chef.

Com seu trabalho, Julie Delpy vai ajudando a nos libertarmos das amarras de ser mulher em uma sociedade que eleva o homem grisalho ao posto de galã, ao passo que exige que estejamos sempre com os cabelos pintados e preenchimento em dia. “Para ser essa mulher perfeita que vemos em Hollywood, eu teria que não cuidar do meu filho e não trabalhar. Teria que passar minha vida inteira cuidando de mim, enquanto na verdade mal tenho tempo de lavar meu cabelo”, declarou em uma entrevista. Ela é essa mulher com óculos de grau, que não faz questão de ser ‘maravilha’, alertando que é possível ser sexy, divertida e produtiva depois dos 50 e para beeeem além deles.

> NILMA GONÇALVES é jornalista formada pela Faculdade de Comunicação da UFBA. Foi repórter e editora de Cultura do jornal Correio. É assessora freelancer do Fórum Baiano de Combate aos Impactos dos Agrotóxicos e da editora Solisluna. E-mail: nilmacpgoncalves@gmail.com